sábado, 4 de junho de 2011

A Flauta de Medellín


Ninguém sabe muita coisa sobre minha origem. Uns dizem que vim do fêmur de um urso, enquanto outros defendem que vim da asa de um abutre. A única coisa certa é que meu passado é osso. Isso, no entanto, não afeta meu presente de forma negativa, mas me faz querer viver histórias cheias de adrenalina. Sou a peça redonda e furadinha que chamam de flauta.

Diferente dos meus ascendentes, eu vim do cascalho de um eucalipto e fui modelada na Colômbia, em uma cidade chamada Medellín, que é famosa pela beleza natural e, infelizmente, pelo alto número de mortes. Mas, cá entre nós, isso só aconteceu por causa da centena de ratos que ajudei a matar.

Era primavera. As flores floresciam na floricultura e, se houvesse arvoricultura, as árvores arvoresceriam nela. A rotina era comum na estação: abelha voa até o pólen, fica presa na teia de aranha e assim a cadeia alimentar dá início. O problema foi que as abelhas estavam se proliferando rapidamente e, quando foram investigar, perceberam que as aranhas haviam sumido. Investigando o sumiço das aranhas, perceberam que elas estavam sendo devoradas por ratos.

Ratos grandes e gordos. Ratazanas colombianas que devoravam tudo o que havia pelo caminho, inclusive as flores que floresciam na floricultura — a florista já estava com os nervos à flor da pele.

Em poucos dias, a cidade estava com mais ratos do que pessoas. Os ratos fizeram sua própria civilização, atuaram em telenovelas do horário nobre, montaram um foguete para ir à Lua e assumiram até o lugar da fada-do-dente. Quando criaram a humaneira, uma ratoeira para humanos, o prefeito entrou em desespero e ofereceu uma grande quantia em dinheiro para quem conseguisse levar os ratos embora.

Um homem chamado Flautista soube da proposta e correu até uma loja, onde me comprou. (Os ratos já haviam tentado me roer, mas minha madeira é dura até para castor.) Então, à noite, quando todo mundo estava em suas casas e os ratos desfilavam carnaval nas ruas, o Flautista me tocou.

Os lábios dele na minha ponta e o sopro dele dentro de mim fizeram com que saísse uma música diferente: em vez de som, ela tinha cheiro! Uma música com cheiro de queijo fez com que a balada dos ratos parasse e todos ficassem hipnotizados, sendo conduzidos pelo cheiro da música.

O Flautista levou todos os ratos até um lago enorme e os encantou para que pulassem na água. Como os ratos não sabiam prender a respiração, todos acabaram morrendo afogados. Mas, no dia seguinte, quando o Flautista foi falar com o prefeito, ele agiu como um ratão e se recusou a pagar, porque disse que não viu os ratos mortos, que o Flautista era um mentiroso.

Aquilo me ofendeu profundamente. Se ele desacreditava do trabalho do Flautista, automaticamente, não confiava no meu trabalho. Dessa forma, eu, que sempre fui doce, me senti transversal. Por isso, ajudei o Flautista a tramar sua vingança.

No domingo de manhã, enquanto os adultos estavam na igreja, as crianças faziam a maior folia nas ruas, como filhotinhos de ratos perdidos. Então, o Flautista me tocou.

A ponta da boca dele no meu lábio e a troca de ar entre nós dois fez com que outro cheiro musical fosse produzido: aroma de torta de framboesa com chantili. As crianças seguiram o cheiro e foram levadas até uma caverna.

O Flautista prendeu todos lá, com rochas pesadíssimas que não eram possíveis de serem movidas pelas crianças, e deixou os pais desesperados. O prefeito recebeu muitos apelos desesperados e não sabia mais o que fazer. Foi quando anunciou que pagaria o dobro da quantia prometida pela desratização para quem trouxesse as crianças de volta.

Mais uma vez, eu me fiz útil e fui tocada para fazer as crianças voltarem para a cidade. Toda a população presenciou o Flautista trazendo as crianças e era testemunha de sua bondade. Por isso, o prefeito foi obrigado a pagar o que havia prometido. Fiquei tocada com a situação.

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